:: Edição 012 :: Saúde Integral

NEGANDO AS APARÊNCIAS E ESCLARECENDO AS EVIDÊNCIAS

A construção de políticas públicas, práticas sociais nas ciências da saúde e as tomadas de decisões no cuidado à saúde implicam na utilização da melhor evidência disponível. A saúde baseada em evidências é um conceito que compreende os resultados de estudos epidemiológicos observacionais ou experimentais (ensaio clínico), para a atuação em saúde reduzindo as incertezas na tomada de decisão, considerando a segurança nas intervenções e a ética nas ações (GUIMARÃES, 2009; FARIA; OLIVEIRA-LIMA; ALMEIDA-FILHO, 2021). 

Neste contexto, existe a necessidade de diálogo entre os profissionais que realizam diferentes pesquisas científicas e os profissionais que atuam na gestão da saúde. Além disso, requer a habilidade de interpretar e avaliar as evidências, e produzir estudos com o mínimo de viés possível.   

Um exemplo bem interessante são as pesquisas envolvendo o café. O café é vilão ou mocinho? Estudos mais recentes em parceria entre o Instituto do Coração (Incor) e a Faculdade de medicina da Universidade de São Paulo (USP) evidenciam que o café traz alguns benefícios à saúde quando consumido com moderação (450 ml/dia), os estudos envolvem desempenho de exercício físico, depressão, obesidade e diabetes mellitus tipo 2. Outro exemplo, é sobre a história do cigarro.

 O tabagismo é um importante problema de saúde pública mundial, sendo a causa mais comum de morte que poderia ser evitada. Os malefícios do tabagismo são conhecidos popularmente, o hábito de fumar é fator de risco para muitas doenças, entre elas, as doenças cardiovasculares, impotência sexual, câncer e doenças respiratórias (ALMEIDA; MUSSI, 2006;  MORAIS et al., 2022). No Brasil são proibidos os cigarros eletrônicos, bem como a propaganda de cigarros, charutos e cachimbos. O país foi o segundo a utilizar imagens de advertências sobre o hábito de fumar nas embalagens de cigarro, atualmente o espaço ocupado por estas imagens na embalagem é ainda maior (LEE; CHAGAS; NOVOTNY, 2010).

A associação do hábito de fumar com riscos à saúde e aumento da mortalidade é algo recente, após inúmeras evidências científicas do século XX. Acredita-se que a utilização do tabaco teve início, aproximadamente 1000 a.C em rituais religiosos indígenas. O cigarro industrializado foi amplamente utilizado a partir da segunda metade do século XIX, anteriormente as pessoas mascavam o tabaco e fumavam cachimbo. O hábito de fumar foi difundido por meio do cinema e publicidade com artistas famosos denotando glamour, liberdade feminina, romantismo, uma vida moderna e independente.

Era comum propagandas de cigarro com médicos recomendando algumas marcas de cigarro. Houve a propaganda de cigarros até mesmo com o público infantil e cachorro (figura 1). Na década de 1950 o cigarro foi associado ao câncer de pulmão, no entanto, ainda existiam divergências. Alguns médicos e pesquisadores questionavam a relação entre tabagismo e algumas doenças, incentivando a população sobre os benefícios do tabaco. 

Figura 1. Propagandas com crianças e cachorro fumando nas décadas de 1910 a 1930.

Fonte: INCA; Fundação Oswaldo Cruz (2022)

Dois modelos que participavam da divulgação da marca de cigarros Malboro morreram por problemas de saúde relacionados ao tabaco. Um deles, o ator Eric Lawson que interpretava o cowboy símbolo da marca de cigarro Malboro na década de 1970, faleceu em decorrência do cigarro, o ator apresentava a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).

As análises sobre os efeitos do hábito de fumar ao longo dos anos, modificou a perspectiva em relação ao tabaco mundialmente, evidenciando os efeitos adversos à saúde e fomentando medidas para combate ao tabagismo para cessação do hábito de fumar (SPINK, 2010; CARDOSO et al., 2021).

Algumas Referências

ALMEIDA, A. F. de; MUSSI, F. C. Tabagismo: conhecimentos, atitudes, hábitos e grau de dependência de jovens fumantes em Salvador. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 40, p. 456–463, dez. 2006. https://doi.org/10.1590/S0080-62342006000400002.
CARDOSO, T. C.; FILHO, A.; DIAS, L.; ARRUDA, J. Aspectos associados ao tabagismo e os efeitos sobre a saúde. Research, Society and Development, v. 10, p. e11210312975, 8 mar. 2021. https://doi.org/10.33448/rsd-v10i3.12975.
FARIA, L.; OLIVEIRA-LIMA, J. A. de; ALMEIDA-FILHO, N. Medicina baseada em evidências: breve aporte histórico sobre marcos conceituais e objetivos práticos do cuidado. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 28, p. 59–78, 28 mar. 2021. https://doi.org/10.1590/S0104-59702021000100004.
GUIMARÃES, C. A. Medicina baseada em evidências. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, v. 36, p. 369–370, out. 2009. https://doi.org/10.1590/S0100-69912009000500002.
LEE, K.; CHAGAS, L. C.; NOVOTNY, T. E. Brazil and the Framework Convention on Tobacco Control: Global Health Diplomacy as Soft Power. PLOS Medicine, v. 7, n. 4, p. e1000232, 20 abr. 2010. https://doi.org/10.1371/journal.pmed.1000232.
MORAIS, É. A. H. de; OLIVEIRA, B. E. de; ROESBERG, J. M. A.; SOUZA, P. S. N.; SOUZA, R. N. B. de; COSTA, S. F.; MARQUES, V. da S.; ABREU, M. N. S. Fatores individuais e contextuais associados ao tabagismo em adultos jovens brasileiros. Ciência & Saúde Coletiva, v. 27, p. 2349–2362, 27 maio 2022. https://doi.org/10.1590/1413-81232022276.20622021.
SPINK, M. J. P. Ser fumante em um mundo antitabaco: reflexões sobre riscos e exclusão social. Saúde e Sociedade, v. 19, p. 481–496, set. 2010. https://doi.org/10.1590/S0104-12902010000300002.




Geani Marins
29 anos de vida e Fé Cristã. Doutoranda em Saúde Pública e Meio Ambiente. Atua nas linhas de pesquisa: Epidemiologia de doenças transmissíveis e Geoprocessamento e análise espacial em saúde. Pesquisadora colaboradora no Projeto de Pesquisa e Extensão APHETO: Autopercepção da imagem corporal e nutricional, história clínica e epidemiológica na terapia nutricional do outro. Mestre em Ciências Ambientais e Conservação. Nutricionista.

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