:: Edição 005 :: Saúde Integral

DISSONÂNCIA: TEORIA E PRÁTICA NA SAÚDE DAS COLETIVIDADES

Nesta edição, intento iniciar minha reflexão com base no artigo “Saúde Pública ou Saúde Coletiva?” (SOUZA, 2014). Os termos Saúde Pública e Saúde Coletiva, são muitas vezes considerados idênticos e confundidos, porém ambos referem-se a conceitos diferentes (embora não se trate apenas de diferenciação de termos), que são tratados ao longo do artigo, contextualizando-se através de uma revisão de movimentos ideológicos e político-institucionais. 

No que se refere ao Brasil, o artigo aborda que as intervenções sobre a saúde da coletividade ganhou força durante a República Velha, época das campanhas sanitárias que destacaram-se medidas de saneamento. Mas, foi no Estado Novo que ocorreu a institucionalização das campanhas em programas do Ministério da Educação e Saúde Pública. 

O artigo traz duas ordens de diferença entre Saúde Pública e Saúde Coletiva que quero destacar. A primeira, refere como conceitos de Saúde Pública a “ciência e arte” e para a Saúde Coletiva o “campo de conhecimentos e práticas de saúde”. Os estudiosos da Saúde Coletiva, reforçam o materialismo histórico na época de emergência da Saúde Coletiva, bem como, a sociologia e a Teoria da Complexidade de Edgar Morin (SALLES; MATOS, 2017). De acordo com o artigo, este fato evidencia divergências entre ambas, visto que, pesquisadores de Saúde Pública não explanam suas opções teóricas. Ademais, as intervenções sobre a saúde das populações são analisadas com base em sua evolução temporal, como sendo uma sucessão linear de fatos e acontecimentos.

A segunda ordem, refere-se ao objeto de trabalho, que de acordo com Souza (2014) para a Saúde Pública, a saúde é entendida como ausência de doença, porém a visão da Saúde Coletiva considera todas as condições relacionadas à promoção da vida, qualidade de vida e liberdade humana, ou seja, não apenas ausência da doença.

Neste contexto, espera-se que para atuar em Saúde Coletiva os profissionais tenham visão holística, com ações que vão além da mera observação, diagnóstico e prescrição de tratamento do indivíduo de maneira isolada. O processo saúde-doença precisa ser observado considerando o contexto social historicamente determinado em que o indivíduo está inserido. 

Contextualizar determinado tema, requer estabelecer o cenário em que o mesmo interfere e recebe interferências, revelando assim, seus determinantes. Sabe-se que condições sociais influenciam a saúde; a maioria das doenças, bem como as iniquidades em saúde1 “Iniquidades em saúde referem-se a diferenças desnecessárias e evitáveis e que são ao mesmo tempo consideradas injustas e indesejáveis. O termo iniquidade tem, assim, uma dimensão ética e social.” (WHITEHEAD,1992). ocorrem pelas condições em que as pessoas nascem, vivem, trabalham e envelhecem. 

A Conferência mundial sobre Determinantes Sociais da Saúde2Determinantes sociais da saúde (DSS) são situações, fatores e comportamentos da vida econômica, ambiental, cultural, política, social e subjetiva que influenciam positivamente ou negativamente indivíduos e coletividades., realizada no Rio de Janeiro em 2011 (PELLEGRINI FILHO, 2011), em seu documento de discussão teve como título “Diminuindo diferenças: A prática das políticas sobre determinantes sociais da saúde”. Esta Conferência teve como proposta discutir alguns temas para que os países pudessem implementar abordagens ligadas aos determinantes sociais, visto que, o objetivo era traçar planos para enfrentamento das iniquidades na saúde. Dentre os cinco temas da Conferência alguns foram: promoção da participação: lideranças comunitárias para a ação sobre os determinantes sociais; ações globais sobre os determinantes sociais: alinhando prioridades e grupos de interesse; e monitoramento do progresso: medir e analisar para informar as políticas sobre determinantes sociais. 

Nesta mesma Conferência, foi lançada a Declaração do Rio, em que os países participantes firmaram compromissos para alcançar a equidade em saúde através de ações sobre os determinantes. Naquela época, o Ministro da Saúde do Brasil Alexandre Padilha, mencionou a importância desta declaração, reafirmando o papel do Estado em promover igualdade, mencionou ainda que “Meu país aprendeu que não se enfrenta crise econômica cortando gastos sociais, e sim ampliando políticas sociais”. No entanto, dez anos após a Conferência, o Brasil tem vivenciado inúmeros “contingenciamentos”; embora a palavra “cortes” talvez seja mais propícia para o que tem ocorrido, sabendo que contingenciamentos podem ser revistos.

 Os cortes nas área social e educação têm ocorrido expressivamente desde 2015, gerando grandes discussões. Lembra-se também que no ano de 2019, áreas relacionadas com garantia de direitos humanos foram as áreas mais atingidas pela política de cortes. Nesse cenário, pode-se citar o Programa de Bolsa Permanência no Ensino Superior e o apoio a infraestrutura da Educação Básica que tiveram seus recursos congelados. 

TODAS AS NOTAS

  1. “Iniquidades em saúde referem-se a diferenças desnecessárias e evitáveis e que são ao mesmo tempo consideradas injustas e indesejáveis. O termo iniquidade tem, assim, uma dimensão ética e social.” (WHITEHEAD,1992).
  2. Determinantes sociais da saúde (DSS) são situações, fatores e comportamentos da vida econômica, ambiental, cultural, política, social e subjetiva que influenciam positivamente ou negativamente indivíduos e coletividades.

ALGUMAS REFERÊNCIAS

PELLEGRINI FILHO, A. Conferência Mundial sobre Determinantes Sociais da Saúde. Cadernos de Saúde Pública, v. 27, p. 2080–2082, nov. 2011.
SALLES, V. O.; MATOS, E. A. S. Á. de. A Teoria da Complexidade de Edgar Morin e o Ensino de Ciência e Tecnologia. Revista Brasileira de Ensino de Ciência e Tecnologia, v. 10, n. 1, 16 maio 2017. Disponível em: https://periodicos.utfpr.edu.br/rbect/article/view/5687. Acesso em: 7 dez. 2021.
SOUZA, L. E. P. F. de. SAÚDE PÚBLICA OU SAÚDE COLETIVA? Espaço para a Saúde, v. 15, n. 4, p. 7–21, 30 dez. 2014.
WHITEHEAD, M. The concepts and principles of equity in health. International Journal of Health Services, 22, n. 3, p. 429-445, 1992.




Geani Marins
29 anos de vida e Fé Cristã. Doutoranda em Saúde Pública e Meio Ambiente. Atua nas linhas de pesquisa: Epidemiologia de doenças transmissíveis e Geoprocessamento e análise espacial em saúde. Pesquisadora colaboradora no Projeto de Pesquisa e Extensão APHETO: Autopercepção da imagem corporal e nutricional, história clínica e epidemiológica na terapia nutricional do outro. Mestre em Ciências Ambientais e Conservação. Nutricionista.

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