:: Edição 005 :: Sociologia

A DIMENSÃO IDENTITÁRIA E A FRAGMENTAÇÃO DO SENTIDO NA CONTEMPORANEIDADE

A questão do conhecimento, enquanto o sentido construído pelos indivíduos acerca da realidade que os cerca, é um tema caro ao pensamento sociológico desde que este começou a se estruturar enquanto saber moderno e institucionalizado. Marx, por exemplo, já falava a respeito de como o modo de produção capitalista precisa dar lugar a uma construção de conhecimento muito específica, que dissimule os processos socioeconômicos e políticos que garantem sua manutenção e reprodução, discussão que está apresentada sob o conceito de fetichismo. Já Weber, ainda que caminhando por rotas distintas, avalia que um processo de dominação implica em dizer de um certo encanto, no sentido de que toda dominação precisa da crença em sua legitimidade. Dessa forma, a relação entre indivíduo e conhecimento estava, desde o início, no centro do fazer sociológico.

Guattari, ao discutir a produção de subjetividades na contemporaneidade, afirma que estas possuem um caráter polifônico e que não se articulam a partir de uma “instância dominante de determinação que guie as outras instâncias segundo uma causalidade unívoca” (GUATTARI, 1992, p. 11). A Sociologia contemporânea também oferece largo acúmulo de produção analítica a respeito desse quadro conjuntural, apresentando várias abordagens que constroem um sentido para pensar os estágios mais avançados da modernidade e sua fragmentação.

Em seu livro, A identidade cultural na pós-modernidade (2015), Hall articula sua concepção de modernidade tardia e do sujeito pós-moderno em torno da noção de deslocamento. Neste contexto semântico e conceitual, as sociedades contemporâneas aparecem enquanto sociedades cujo centro é deslocado e substituído por uma pluralidade de centros de poder. Assim, estas sociedades não possuem nenhum princípio organizador único, com suas relações e processos se desenrolando a partir de uma única lei ou causa. As sociedades de modernidade tardia, portanto, seriam caracterizadas por serem perpassadas por diferentes conflitos e antagonismos sociais, propiciando um quadro muito diverso e múltiplo de identidades aos indivíduos.

Ainda que essas identidades possam, em momentos específicos, se articular conjuntamente, essa articulação é sempre parcial. A estrutura basilar da identidade continua sempre aberta. É com base nessa perspectiva que o autor constrói sua concepção acerca do sujeito pós-moderno, caracterizando-o a partir de uma articulação e configuração enquanto um sujeito fragmentado, que assume diversas identidades em diferentes momentos, identidades essas que podem ser até mesmo contraditórias e se dirigirem a direções opostas. Para ele, tais expressões identitárias também não são, tampouco, unificadas em torno de um “eu” indivisível. Assim, neste contexto, as próprias identidades, que garantiriam uma conformidade com as necessidades objetivas da cultura e do mundo social, estariam entrando em colapso no quadro pós-moderno (HALL, 2015).

Ulrich Beck também analisa os efeitos dessas inflexões no sentido da modernidade industrial, avaliando que tais mudanças significam sua vitória e a radicalização de seus processos, não sua derrocada. Este novo momento da modernidade, ao qual o autor chama de modernidade reflexiva, é caracterizado enquanto um momento de autoconfrontação no qual os riscos sociais, políticos, econômicos e individuais gerados pela sociedade industrial passam a escapar de suas instâncias e instituições de controle e monitoramento. Passa-se, então, de uma lógica de organização social articulada em torno da produção de riquezas e sua distribuição para uma baseada na produção de riscos e de sua distribuição. A isso, Beck chama de sociedade de risco (FERREIRA e PINHEIRO, 2018; BECK, 2000).

Toda essa conjuntura põe em marcha o que Beck chamou de processo de individuação. Esse processo aponta para que as fontes de significados, tanto coletivas quanto individuais, são assimiladas por um processo de erosão e desencanto. Com isso, os esforços de definição passam a recair sobre os indivíduos, que agora encontram-se soltos numa sociedade estruturada a partir de uma lógica de riscos globais, mutuamente contraditórios em sua variedade.

Referências Bibliográficas

BECK, Ulrich. A Reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. IN BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Modernização Reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. Tradução de Maria Amélia Augusto. Oeiras: Celta Editora, 2000.
________________. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade.Tradução de Sebastião Nascimento; São Paulo: Editora 34, 2011.
GUATARRI, Félix. Caosmose: Um novo paradigma estético. Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Ana Lúcia Leão. São Paulo: Ed. 34, 1992.
MARX, K. O Capital - Livro I – crítica da economia política: O processo de produção do capital. Tradução Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.
WEBER, Max. Economia e Sociedade: Fundamentos da Sociologia Compreensiva.
Vol. 1. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa; revisão técnica de Grabriel Cohn, 4ª ed., 4ª reimpressão - Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2014.




Pattrick Pinheiro
28 anos de vida e Fé Cristã. Mestrando em Sociologia, com ênfase em Sociologia da Religião. Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais, com domínio adicional em Cristianismo e Diálogo com o Mundo Contemporâneo. Colunista, editor e articulador do Espírito&Atualidade (2014 - atual). Aluno da Clínica de Música e ADD ASAPH Ministérios desde 2008.

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