:: Edição 003 :: Literatura e Linguística

O TEMPO NA LINGUAGEM E A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO

O pesquisador Lera Bododitsky tinha a tese de que a linguagem influencia muito a forma com que se pensa. Para testá-la, fez um experimento com vários grupos de pessoas. Deu-lhes imagens que representavam algum tipo de progressão no tempo (por exemplo, um homem envelhecendo), e pediu-lhes para organizar as fotos embaralhadas, de modo a mostrar a ordem temporal correta.

As pessoas que falavam inglês colocaram as fotos em ordem, da esquerda para a direita. Os falantes de hebraico colocaram da direita para a esquerda (o que mostra a influência da escrita na formação do pensamento). Mas, o que aconteceria quando o mesmo fosse pedido a falantes de uma língua onde não existe direita e esquerda?

Os Kuuk Thaayorre, uma pequena tribo aborígene na Austrália, foram parte desse mesmo experimento. Quando foram colocar as fotos em ordem, aparentemente eles usavam uma ordem aleatória: alguns colocaram da esquerda para a direita, outros de mais perto do seu corpo para mais longe à frente, e outros colocaram da direita para a esquerda. Mas, o que surpreendeu os pesquisadores foi quando se deram conta de que não havia aleatoriedade nenhuma ali. Tudo dependia da posição em que eles estavam sentados: se virados para o norte, eles colocavam as fotos da esquerda para a direita. Se para o sul, o inverso. Se virados para o oriente, colocavam em ordem de perto de si para a sua frente. Ou seja, mesmo sem serem informados da posição em que estavam sentando, eles sempre colocavam as fotos em ordem, do ocidente para o oriente.

O pesquisador descobriu que eles tinham uma enorme habilidade em se localizar geograficamente, mesmo em ambientes desconhecidos. Para se localizarem geograficamente, eles não usam termos como direita, esquerda, frente e trás. Eles usam os pontos cardinais. A maneira como eles pensam no tempo, presente, passado e futuro, afeta a sua linguagem, e em consequência, a maneira como eles vivem.

Nós que somos da fé cristã, temos uma visão diferente do tempo na fé. O tempo do Reino de Deus pode ser descrito usando o conceito de Gerhardus Vos: “agora, mas ainda não”. É uma mistura de paradoxo com oximoro. É pensar que já estamos participando ativamente do Reino de Deus no presente, mas que esse Reino não vai se revelar ou se concretizar plenamente a sua glória até algum tempo no futuro.

Mas, cabe pensar: será que deixamos essa maneira de enxergar o tempo afetar a maneira como nós vivemos, especialmente quanto às coisas do tempo presente?  Se a organização do pensamento espiritual e celestial é uma amálgama de presente e futuro, uma antecipação do mundo vindouro para dentro da realidade do mundo presente, por que ainda fixamos tanto os nossos olhos nas coisas desse mundo, que como Paulo diz, são passageiras, e não são eternas? Será que não cabe a nós deixar esse modo divino de pensar no tempo afetar a nossa linguagem e também o nosso modo de viver?




Felipe Aguiar
34 anos de idade, 28 de Fé Cristã. Mestre em Letras – Linguística. Bacharel em Letras – Inglês / Literaturas. Licenciatura em Letras – Português / Inglês. Graduado em Gravação e Produção Fonográfica. Técnico em Processamento de Dados. Livros Publicados: 2015 – “Coração Poeta: Pequenas doses de poesia para pensar na vida”. 2013 – “Trazendo à Terra as Canções do Céu”.

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