O desafio de produzir conhecimento sociológico em um mundo fragmentário
Falar sobre a construção de sentidos na sociedade contemporânea, envolve se debruçar sobre o tema da percepção sociológica que tem sido construída a respeito dessa mesma sociedade. O caráter que é entendido como central, de modo muito difundido pelas mais diversas abordagens, é a sua fragmentariedade. Bauman (2001) coloca que a época contemporânea realoca o que chamou de “poderes de derretimento” da modernidade que passam a erodir aqueles elementos que constituíam os pontos estáveis de orientação aos quais os sujeitos podiam se conformar. Todo esse quadro acaba por fortalecer um determinado uso da noção de identidade que a percebe enquanto o resultado de discursos múltiplos e conflitivos, que competem entre si, sendo, por isso mesmo, efêmera.
Ainda no final do Século XX, Habermas (1987) já apontava para a percepção dessa mudança e indica o que para ele poderia estar na base do processo. Esta nova forma de sociabilização, para ele, implica também em conceber e se relacionar com a história de um novo jeito. Ela passa a ser percebida como um processo mundial que constrói problemas, permeado por conflitos. Esta nova relação com o tempo é marcada pela desintegração de passados modelares e pelo fato de que a modernidade passa a estar, de certa maneira, entregue à própria sorte, no sentido em que passa a ter de extrair de si mesma seus próprios princípios exemplares, passa a ser ela mesma sua própria bússola. Abandonada sob o leito da história, esta nova modernidade refunda a estrutura de seu espírito da época, que passa a se basear na conjunção de dois tipos de pensamento que antes pareciam excludentes e irreconciliáveis: o pensamento utópico e o pensamento histórico.
Toda esta conjunção, aparentemente paradoxal, diz respeito à construção de um pensamento político carregado de energias utópicas, mas que, entretanto, devem ser contrabalançadas com o “contrapeso conservador do pensamento histórico”. Esta construção vem de um longo processo que remonta aos romances utópicos da época da renascença que deslocam a questão de um eixo de esperanças paradisíacas e escatológicas para o campo das possibilidades profanas de vida, aos programas utópicos do século XVIII e início do XX, onde a utopia passa a se despojar de seus últimos traços românticos e alegóricos e, atenta ao espírito da época, é alçada ao posto de “médium insuspeito” para as pretensões de novas possibilidades de vida, que agora devem ser articuladas decisivamente com o pensamento histórico.
Para Habermas, o que está em andamento não é a retirada das energias utópicas da consciência histórica, mas sim o desgaste de uma utopia organizada em torno do Estado e de uma sociedade do trabalho. Esse entendimento a respeito do desgaste de categorias outrora tradicionais de organização e mobilização social, captada por Habermas através da lente específica acima apresentada, é ecoada por vários outros autores dentro das ciências sociais de um modo geral. A percepção de uma vida social cada vez mais fragmentada e cercada de inseguranças e incertezas começa a compor o chão no qual boa parte das teorias gerais sobre a estruturação da modernidade e dos conflitos sociais e políticos vividos em seu interior passam a se alicerçar.
É justamente nesse contexto analítico, ressaltado aqui a partir de um dos caminhos pelos quais foram conduzidas suas discussões e debates, que emerge a perspectiva de uma identidade fragmentária, onde os indivíduos e grupos constroem sentidos para sua realidade. Para alguns autores, esse quadro levará ao que chamam “crise da identidade”, entendida como um cenário de superutilização do conceito de identidade, até o ponto de que tenha adquirido tamanha ambiguidade de sentidos que sua capacidade analítica se exauriu. A ideia de que a análise social – incluindo aquela voltada à compreensão das identidades políticas precisa de conceitos e significados mais definidos para operar satisfatoriamente é uma noção que permeia a avaliação crítica tecida por esse argumento. Continua presente o questionamento acerca da necessidade da construção de instrumentos analíticos mais precisos, que possam cumprir o desafio de construir sentidos concretos sobre um mundo fluído.