“Os homens parecem-se mais com o seu tempo que com os seus pais.”. Esse é um provérbio árabe antigo que fora recuperado pelo historiador Marc Bloch em sua “Apologia da História”. Utilizou-se para dizer não de uma análise geracional de grupos humanos e indivíduos em si, mas de como é possível constatar um movimento de transformação geração a geração das ações humanas, das concepções e variáveis sociais que impacta o próprio ato de se perceber e escrever sobre o passado.
Naquele profícuo contexto para a historiografia do início do século passado, colocava-se em xeque a perspectiva do intento positivista de neutralidade e otimismo exacerbado, a saber, a de poder-se escrever a história com os mesmos métodos e cientificidade e totalidade das ciências naturais da época. A primeira crítica interessante foi a própria visão sobre as fontes, antes consideradas apenas aquelas ditas oficiais ao considerá-las como contendo uma veracidade sobre o passado. Crítica que, por mais fragmentária sobre as fontes pudesse ser, ainda seus filhos escritos seriam influenciados pela ideia da possibilidade de uma História total.
A partir de novas problematizações iniciadas nos Annales de tornar fonte tudo que possui dedo humano ao longo do tempo, sejam elas materiais ou imateriais, outras paragens ou retornos à ideia de que a História é fruto do seu tempo foram possíveis. Com ela, tem-se uma percepção salutar de que são os próprios contemporâneos da escrita da história que constroem “os passados”, mediante não só as fontes que conseguem manusear no presente, mas as perguntas e diferentes abordagens que surgem no processo de construção da própria realidade representada e vivida diferentemente pelos observadores.
Chegamos, portanto, numa crise do paradigma totalizante de se poder abarcar o passado como se fosse uma amostra de substâncias da química num recipiente fechado (o que por si só já podemos nos deparar com diferentes variáveis a serem consideradas, diriam alguns dos seus representantes). Eis, também um paradoxo: as diferentes abordagens e modos de se olhar o passado não permitem epistemologicamente a velha visão de se poder contar tudo sobre o passado ou encerrá-lo nele mesmo, à medida que se percebe que a história da escrita da História é perpassada por transformações sociais e dos próprios indivíduos.
Como fruto, portanto, do seu tempo, o campo historiográfico no Brasil e em outras paragens, pelo menos, se depara com novas sensibilidades mediante também às novas variáveis da relação do ser humano com o espaço: as mudanças climáticas gritam e pedem cada vez mais passagem na vida vivida, e representada. Formados por novos lugares sociais que se constroem mediante a renovações e retornos às questões até mencionadas, mas não focalizadas, criam-se novas possibilidades de leituras sobre os eventos e processos do passado.
Novos olhares, até o momento, não estão significando (de maneira significativa) a busca por novas fontes, mas a releitura das velhas que abrem novas problemáticas e reconsiderações sobre a relação entre a dimensão que chamamos de natural e o humano. O passado volta a se abrir e desmentir o que seu significante singular inicialmente pensado parece fazer-nos crer: o passado está se abrindo a “novos passados” mediante aos novos eventos e transformações avassaladoras no presente. E isso em meio à observação historiográfica do presente olhando o passado de longe, achando estar pequeno e de possível abarco, mas com um efeito de ilusão da própria limitação óptica de cada tempo, que volta a ser rechaçada e repensada à medida que o tempo passa e novas possibilidades e problemas/perguntas surgem. O passado ou os passados existem, e os seus eventos e processos também, mas não tão lineares ou de pequeno abarco, como outrora se pensara.
Em outra forma de representar:
Espiral do tempo. Fonte da imagem:
https://www.ailsom.com.br/2015/09/espiral-do-tempo.html