:: EDIÇÃO 015 :: História

A IMPOSSIBILIDADE DE SE FECHAR O PASSADO, E A POSSIBILIDADE VARIÁVEL DE SE INTERPRETAR O PASSADO MEDIANTE AO PRESENTE VARIÁVEL

“Os homens parecem-se mais com o seu tempo que com os seus pais.”. Esse é um provérbio árabe antigo que fora recuperado pelo historiador Marc Bloch em sua “Apologia da História”. Utilizou-se para dizer não de uma análise geracional de grupos humanos e indivíduos em si, mas de como é possível constatar um movimento de transformação geração a geração das ações humanas, das concepções e variáveis sociais que impacta o próprio ato de se perceber e escrever sobre o passado.

Naquele profícuo contexto para a historiografia do início do século passado, colocava-se em xeque a perspectiva do intento positivista de neutralidade e otimismo exacerbado, a saber, a de poder-se escrever a história com os mesmos métodos e cientificidade e totalidade das ciências naturais da época. A primeira crítica interessante foi a própria visão sobre as fontes, antes consideradas apenas aquelas ditas oficiais ao considerá-las como contendo uma veracidade sobre o passado. Crítica que, por mais fragmentária sobre as fontes pudesse ser, ainda seus filhos escritos seriam influenciados pela ideia da possibilidade de uma História total.  

A partir de novas problematizações iniciadas nos Annales de tornar fonte tudo que possui dedo humano ao longo do tempo, sejam elas materiais ou imateriais, outras paragens ou retornos à ideia de que a História é fruto do seu tempo foram possíveis. Com ela, tem-se uma percepção salutar de que são os próprios contemporâneos da escrita da história que constroem “os passados”, mediante não só as fontes que conseguem manusear no presente, mas as perguntas e diferentes abordagens que surgem no processo de construção da própria realidade representada e vivida diferentemente pelos observadores. 

Chegamos, portanto, numa crise do paradigma totalizante de se poder abarcar o passado como se fosse uma amostra de substâncias da química num recipiente fechado (o que por si só já podemos nos deparar com diferentes variáveis a serem consideradas, diriam alguns dos seus representantes). Eis, também um paradoxo: as diferentes abordagens e modos de se olhar o passado não permitem epistemologicamente a velha visão de se poder contar tudo sobre o passado ou encerrá-lo nele mesmo, à medida que se percebe que a história da escrita da História é perpassada por transformações sociais e dos próprios indivíduos. 

Como fruto, portanto, do seu tempo, o campo historiográfico no Brasil e em outras paragens, pelo menos, se depara com novas sensibilidades mediante também às novas variáveis da relação do ser humano com o espaço: as mudanças climáticas gritam e pedem cada vez mais passagem na vida vivida, e representada. Formados por novos lugares sociais que se constroem mediante a renovações e retornos às questões até mencionadas, mas não focalizadas, criam-se novas possibilidades de leituras sobre os eventos e processos do passado.

Novos olhares, até o momento, não estão significando (de maneira significativa) a busca por novas fontes, mas a releitura das velhas que abrem novas problemáticas e reconsiderações sobre a relação entre a dimensão que chamamos de natural e o humano.   O passado volta a se abrir e desmentir o que seu significante singular inicialmente pensado parece fazer-nos crer: o passado está se abrindo a “novos passados” mediante aos novos eventos e transformações avassaladoras no presente. E isso em meio à observação historiográfica do presente olhando o passado de longe, achando estar pequeno e de possível abarco, mas com um efeito de ilusão da própria limitação óptica de cada tempo, que volta a ser rechaçada e repensada à medida que o tempo passa e novas possibilidades e problemas/perguntas surgem. O passado ou os passados existem, e os seus eventos e processos também, mas não tão lineares ou de pequeno abarco, como outrora se pensara. 

Em outra forma de representar: 

Espiral do tempo. Fonte da imagem:
https://www.ailsom.com.br/2015/09/espiral-do-tempo.html

Referências Bibliográficas

BLOCH, Marc. “A história, os homens e o tempo”. In: _____. Apologia da História, ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, p. 51-68.
CERTEAU. Michel de. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982. 
DUARTE, Regina Horta . Por um pensamento ambiental historico: O caso do Brasil. Luso-Brazilian Review , Wisconsin, EUA, v. 41, n.2, p. 144-161, 2005.
PÁDUA, José Augusto. As bases teóricas da história ambiental. Estudos Avançados, v. 24, n. 68, p. 81–101, 2010.
PAYEN, Pascal. “A constituição da história como ciência no século XIX e seus modelos antigos: fim de uma ilusão ou futuro de uma herança?”. História da historiografia, Ouro Preto, número 6, p. 103-122, março 2011.




Hiago Fernandes
27 anos de vida e Fé Cristã. Mestrando em História Social no Programa de Pós-graduação da UERJ e graduado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). É pesquisador e atua como membro do Grupo de Trabalho do JIIAR (Grupo de Pesquisa Justiças e Impérios Ibéricos de Antigo Regime-CNPq/UFF/PPGHS-UERJ) e do Laboratório de História Regional e Patrimônio (LAHIRP). Atua como coordenador técnico do Seminário Permanente Internacional Cidades e Impérios: dinâmicas locais, fluxos Globais (CIES-Iscte/UFF/Universidade do Minho).

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