:: Edição 006 :: Literatura e Linguística

PERCEBENDO A VIDA ENQUANTO ELA ACONTECE

A definição mais bonita que eu já li sobre o tempo kairós foi a de Madeleine L’Engle. Baseio-me nela ao escrever esse texto. Ela fala, nesse capítulo específico, sobre a vida do artista e sobre quando ele é absorvido pela criação e pela sua arte que não vê o tempo passar. Em todos os sentidos.

Kairós. Tempo real. Tempo de Deus.

Aquele tempo que rompe o cronos com um choque de alegria, esse tempo que não reconhecemos enquanto o vivenciamos, mas só depois, porque o kairós nada tem a ver com o tempo cronológico. No kairós, somos completamente inconscientes e, no entanto, paradoxalmente, muito mais reais do que jamais podemos ser quando estamos constantemente verificando em nossos relógios o tempo cronológico.”

Essa grande distinção, marcada por ela em suas palavras, fica ainda mais clara no momento histórico que vivemos, em que quase tudo ao redor parece andar mais rápido e não há tempo de apreciar a vida. A informação chega a qualquer lugar do mundo em um segundo, qualquer pessoa pode ser contactada em qualquer lugar através do celular, e o mundo parece estar a um clique de distância. Mas, será? O mundo de que estamos falando é a realidade em que vivemos, ou é só uma tela?

“O santo em contemplação, perdido para si mesmo na mente de Deus, está no kairós. O artista em ação está no kairós. A criança que brinca, totalmente jogada fora de si no jogo, seja construindo um castelo de areia ou fazendo uma margarida, está no kairós. No kairós nos tornamos o que somos chamados a ser como seres humanos, co-criadores com Deus, tocando na maravilha da criação.”

Artistas e criadores parecem ter um acesso mais fácil ao kairós. Há algo de transcendente na arte e no processo de criação que faz com que o artista se desconecte mais facilmente da realidade material e se conecte com algo superior. Algo “de outro mundo”, por assim dizer. Artistas resistem às caixas que tentam lhe colocar, e nesse caso resistem bastante à caixa dos minutos e segundos.

“Em Our Town, depois que Emily morreu no parto, Thornton Wilder a faz perguntar ao Diretor se ela pode voltar para casa para reviver apenas um dia. Relutantemente, ele permite que ela faça isso. E ela está dilacerada pela beleza do comum e pela nossa falta de consciência disso. Ela grita para a mãe: ‘Mamãe, olhe para mim por um minuto como se você realmente me visse… passa tão rápido que não temos tempo de olhar um para o outro’.

E ela volta para o cemitério e para a companhia silenciosa dos outros enterrados lá, e ela pergunta ao Diretor: ‘Algum ser humano percebe a vida enquanto a vive?’ E ele suspira e diz: “Não. Os santos e poetas, talvez. Eles às vezes percebem’.”

Referência

Walking on Water: Reflections of Art and Faith, de Madeleine L’Engle. H. Shaw, 2000.




Felipe Aguiar
34 anos de idade, 28 de Fé Cristã. Mestre em Letras – Linguística. Bacharel em Letras – Inglês / Literaturas. Licenciatura em Letras – Português / Inglês. Graduado em Gravação e Produção Fonográfica. Técnico em Processamento de Dados. Livros Publicados: 2015 – “Coração Poeta: Pequenas doses de poesia para pensar na vida”. 2013 – “Trazendo à Terra as Canções do Céu”.

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