Chronos e Kairós, dois termos e conceitos que nos apropriamos do contexto histórico e filosófico dos gregos antigos, inicialmente da mitologia. Encontrados neste tipo de discurso e representação da realidade, ambos denotam diferentes percepções e significações do tempo, incorporados em figuras divinas como é próprio do caráter mítico em diferentes sociedades. Posteriormente esses “tempos” foram retomados pela filosofia, como se vê em Aristóteles com a noção de Tempo Físico, e no final da Antiguidade com Santo Agostinho sobre o tempo kairótico, o tempo da alma1 Já no contexto do cristianismo do final Império Romano do Ocidente, num formato discursivo que se propôs numa relação entre logos, razão e teologia, ainda carregando a função comum ao mito: a significação da vivência. .
Num buscou-se nomear a percepção de um tempo objetivo, um tempo físico, natural, cronometrável e calculável, enquanto o outro, subjetivo, que estaria para fora da dimensão do quantificável e durável. Um tempo que não está na lógica do Chronos, mas no do aproveitável e do ressignificável das situações que se apresentam de diferentes maneiras e possibilidades vivenciadas no próprio tempo (do chronos) e no espaço.
Não podemos nessa oportunidade fazer indagações mais pretensiosas e desafiantes sobre as diferentes percepções do tempo, que na experiência os indivíduos e seus agrupamentos manifestam e representam. No entanto, será proveitoso pensarmos em dois momentos sobre como a relação entre memória individual, memória coletiva, memória histórica pode levar a questionarmos a nossa relação conflitante ou ressignificante com o tempo. Isso se tomarmos a oposição entre o cronológico e o subjetivo, se encararmos dessa forma como buscou-se expressar nos desenvolvimentos do pensamento aqui citado.
São retomadas aqui algumas linhas que as ciências humanas cada vez partem em torno do conceito de memória. Halbwachs pode ser considerado um dos primeiros pensadores recentes a fazerem uma espécie de divisão relacional entre a memória biológica e individual, com a social e suas implicações uma na outra. Ambas situadas no tempo e no espaço, abertas e envolvidas na relação entre lembrança e esquecimento.
A memória, tanto a que posteriormente Halbwachs chamou de memória autobiográfica, como a histórica tem funções de reconstituição, reorganização e ressignificação das experiências imersas no que se chamou de tempo cronológico, físico e quantificável da realidade social. No próximo texto a proposta é continuar a pensar nessa relação com essas diferentes percepções do tempo físico e social, e como a memória coletiva/histórica se coloca, envolve e significa a experiência que temos com essa dimensão que percebemos e nomeamos como tempo(s). Um mecanismo de valoração e re(experimentação) eficiente e imersivo que desafia Chronos na relação entre lembrança-esquecimento, retomada-apagamento, construção-reconstrução, morte-vivificação do passado e do presente.