:: Edição 004 :: Produção Fonográfica

CONTRADIÇÕES E TENSÕES DA PRODUÇÃO FONOGRÁFICA

Não é incomum hoje o artista querer adequar sua produção às demandas do mercado. Já discuti sobre isso nas edições passadas dessa mesma coluna. Creio, de fato, que as questões mercadológicas são importantes e precisam ser levadas em conta, em níveis maiores ou menores, na hora da produção. Mas nessa coluna aqui quero contar uma história para ilustrar um ponto: o vício na perfeição.

Em um determinado momento da história da música, começou-se a usar de artefatos digitais para melhorar o som e a afinação das vozes dos cantores. A princípio, esse era um efeito usado para chegar a um determinado som, que todos que ouvissem saberiam que o processamento havia sido feito.

Mas, a partir daí toda uma geração de cantores passou a se utilizar do mesmo artefato para mascarar suas imperfeições no canto, e o que era um efeito virou uma maquiagem na voz. As pessoas passaram a se acostumar com o som de cantores perfeitos, que não desafinam nem um décimo de semitom (no estúdio, é claro). Idealizamos e passamos a acreditar que tudo que ouvimos no rádio e nas plataformas é exatamente a capacidade do cantor ao vivo. (Recomendo assistir ao documentário da Netflix This is Pop, eles contam essa história no 2º episódio da 1ª temporada)

Mas, o ponto que eu quero levantar é: será que precisamos mesmo dessa perfeição irreal? Eu sei que, meus ouvidos treinados e habituados com isso, ainda precisam… Mas por quanto tempo?

Tenho pensado sobre a criação e emulação de músicas no computador, a recriação de instrumentos diversos com meios digitais, e nessa parte da produção uma verdade é muito clara: se é perfeito não soa natural, soa fake.

Percebem como aqui acontece o inverso? Não existe nenhum violinista que toque todas as notas da partitura na mesma intensidade o tempo todo. Não existe o som da nota limpo, sem o barulho do arco, sem o vibrato natural do violinista, sem o som da sala onde ele está. Ou melhor, existe esse som, mas ele é plástico, feio, artificial. Não presta mais.

Então, levanto aqui o meu ponto: Será que podemos fazer o mesmo com o som da voz? Será que teremos algum dia a coragem de mostrar novamente as imperfeições que fazem parte de qualquer execução musical?

Estou disposto a buscar esse som menos maquiado e mais real, com mais emoção. Não desprendido da técnica, ou cheio de falhas na execução por pura deficiência musical. Mas um som que privilegie a humanidade. O calor do que justamente caracteriza o humano: a imperfeição.

Afinal de contas, ainda somos humanos, e não máquinas.




Felipe Aguiar
34 anos de idade, 28 de Fé Cristã. Mestre em Letras – Linguística. Bacharel em Letras – Inglês / Literaturas. Licenciatura em Letras – Português / Inglês. Graduado em Gravação e Produção Fonográfica. Técnico em Processamento de Dados. Livros Publicados: 2015 – “Coração Poeta: Pequenas doses de poesia para pensar na vida”. 2013 – “Trazendo à Terra as Canções do Céu”.

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