Não é incomum hoje o artista querer adequar sua produção às demandas do mercado. Já discuti sobre isso nas edições passadas dessa mesma coluna. Creio, de fato, que as questões mercadológicas são importantes e precisam ser levadas em conta, em níveis maiores ou menores, na hora da produção. Mas nessa coluna aqui quero contar uma história para ilustrar um ponto: o vício na perfeição.
Em um determinado momento da história da música, começou-se a usar de artefatos digitais para melhorar o som e a afinação das vozes dos cantores. A princípio, esse era um efeito usado para chegar a um determinado som, que todos que ouvissem saberiam que o processamento havia sido feito.
Mas, a partir daí toda uma geração de cantores passou a se utilizar do mesmo artefato para mascarar suas imperfeições no canto, e o que era um efeito virou uma maquiagem na voz. As pessoas passaram a se acostumar com o som de cantores perfeitos, que não desafinam nem um décimo de semitom (no estúdio, é claro). Idealizamos e passamos a acreditar que tudo que ouvimos no rádio e nas plataformas é exatamente a capacidade do cantor ao vivo. (Recomendo assistir ao documentário da Netflix This is Pop, eles contam essa história no 2º episódio da 1ª temporada)
Mas, o ponto que eu quero levantar é: será que precisamos mesmo dessa perfeição irreal? Eu sei que, meus ouvidos treinados e habituados com isso, ainda precisam… Mas por quanto tempo?
Tenho pensado sobre a criação e emulação de músicas no computador, a recriação de instrumentos diversos com meios digitais, e nessa parte da produção uma verdade é muito clara: se é perfeito não soa natural, soa fake.
Percebem como aqui acontece o inverso? Não existe nenhum violinista que toque todas as notas da partitura na mesma intensidade o tempo todo. Não existe o som da nota limpo, sem o barulho do arco, sem o vibrato natural do violinista, sem o som da sala onde ele está. Ou melhor, existe esse som, mas ele é plástico, feio, artificial. Não presta mais.
Então, levanto aqui o meu ponto: Será que podemos fazer o mesmo com o som da voz? Será que teremos algum dia a coragem de mostrar novamente as imperfeições que fazem parte de qualquer execução musical?
Estou disposto a buscar esse som menos maquiado e mais real, com mais emoção. Não desprendido da técnica, ou cheio de falhas na execução por pura deficiência musical. Mas um som que privilegie a humanidade. O calor do que justamente caracteriza o humano: a imperfeição.
Afinal de contas, ainda somos humanos, e não máquinas.