:: Edição 002 :: Literatura e Linguística

LINGUAGENS E DIÁLOGOS NA DIVERSIDADE CULTURAL

Em Cafarnaum, há alguns anos, entrei nas ruínas do que foi um dia um templo do judaísmo. Fiquei surpreso quando vi que uma decoração bem comum nas paredes era a suástica (símbolo associado hoje ao nazismo). O guia turístico, atento aos olhares atônitos do grupo, se adiantou em explicar que aquele símbolo, naquela época muito anterior ao nazismo, significava apenas um adorno, um enfeite como tantos outros símbolos existentes ali.

O linguista é o profissional que estuda a trama que envolve as línguas, encontra padrões nelas, e estuda suas mudanças através do tempo. Para a linguística, as palavras só podem ganhar significado no relacionamento com outras palavras. Da mesma forma que o símbolo suástica mudou de significado com o tempo, o significado das palavras está em constante disputa, e os diversos grupos da sociedade estão constantemente, através do uso, disputando o significado hegemônico das palavras, ou seja, o que a maioria das pessoas entende quando lê ou ouve determinado termo.

É importante entendermos isso, porque é somente por meio da linguagem que podemos estabelecer comunicação com outras pessoas. Por muito tempo a Igreja monopolizou a significação da realidade, e o processo de articulação do discurso religioso ficou sob o domínio do cristianismo. Hoje em dia, com uma sociedade cada vez mais plural e diversa, nos encaminhamos como sociedade para um lugar onde muitos discursos diferentes participam desse processo de entendimento e significação da realidade, incluindo o discurso de diversos “tipos” de cristianismo e também de outras religiões.

Qual o significado de “uma pessoa de fé” hoje? Creio que, se voltássemos no tempo, poderíamos perceber que a esmagadora maioria das menções a esse termo seriam usados para descrever pessoas que professavam a fé cristã com intensidade, religiosos que praticavam agudamente e publicamente a religião cristã. Mas, o que esse termo hoje significa fora das paredes da igreja cristã? O que, na mente do cidadão comum (no Brasil, católico não praticante) é ativado quando ele ouve “ter fé” ou “Deus”, ou até mesmo “igreja”?

Se na nossa sociedade moderna essas noções já eram pré-moldadas desde sempre pelo Cristianismo, no mundo pós-moderno e diverso de hoje já há construções significativas dessas noções. E, ao tentar comunicar o Evangelho a essas pessoas, há um choque de duas significações diferentes da realidade, o que quase sempre leva a uma falha de comunicação. Será que o mundo ainda entende o jargão cristão tradicional, quando a visão de mundo das pessoas está cada vez mais incluindo elementos alheios ao cristianismo?

Ao tentar comunicar o Evangelho a essa geração, muitas vezes o que acontece é um diálogo entre duas pessoas que falam linguagens diferentes (mesmo falando a mesma língua). A igreja se recusa a entender os termos da “geração militante”, das lutas raciais, da população LGBT, da justiça social, mas exige que eles entendam os clichês e jargões do Cristianismo para que sejam aceitos. Se revolta com o pastor que sugere o termo “atualizar”, mas com isso entra cada vez mais em uma bolha e deixa de comunicar a essa geração, que talvez seja a que mais precisa de entender o Evangelho e ser entendida pelo cristão.

Que haja espaço nas nossas mentes e nos bancos da nossa igreja para esse debate. Como Paulo, que agiu como judeus para ganhar os judeus e como grego para ganhar os gregos, a igreja contemporânea pode ganhar muito em credibilidade e acesso, se buscar entender a linguagem da geração para a qual quer comunicar o Evangelho.




Felipe Aguiar
34 anos de idade, 28 de Fé Cristã. Mestre em Letras – Linguística. Bacharel em Letras – Inglês / Literaturas. Licenciatura em Letras – Português / Inglês. Graduado em Gravação e Produção Fonográfica. Técnico em Processamento de Dados. Livros Publicados: 2015 – “Coração Poeta: Pequenas doses de poesia para pensar na vida”. 2013 – “Trazendo à Terra as Canções do Céu”.

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