No discurso histórico, parece ser comum o objetivo de investigar as ações dos homens no tempo e no espaço.1 Replicando as palavras de um dos fundadores de um movimento historiográfico importante do século XX a Escola dos Annales, e que foram acrescentando-se a categoria “espaço” posteriormente por historiadores que se enveredaram pelo campo da geohistória e história ambiental. A crítica sobre o que seriam, quais seriam definidas como acessíveis ou inacessíveis, mobilizou diferentes percepções das ciências humanas. Uma das leituras recentes se orientou pela observação das construções discursivas nas práticas sociais para visualizar a criação de comportamentos e condicionamentos, manifestados em relações de poder, como se propôs o pensador Michel Foucault.
Esta é uma lente que podemos utilizar para observarmos a criação de sentidos por agentes de uma instituição como a igreja,2 Com os seus diferentes arranjos políticos e doutrinários. que se manifestam também em percepções sobre momentos de problemáticas como a pandemia do novo coronavírus dos nossos dias. Apesar das transformações históricas, por essa perspectiva poderíamos encontrar ecos discursivos em diferentes temporalidades,3 Como propôs Foucault – e que nisso pensei em trazer – ao dizer que não precisamos necessariamente construir uma narrativa que compare situações do passado e do presente, mas criar uma que busque investigar continuidades e objetivos táticos com suas diferentes estratégias e dispositivos. o que faz pensarmos como nem sempre somos a origem de determinados dizeres e objetivos ligados a eles, já que são frutos de relações de diferentes contextos.
Baseando-se numa interpretação do final do que chamamos de Medievo, identifica-se por uma ótica que um grande tema, que se refletiam em obras artísticas,4Como as xilogravuras chamadas de danças macabras, e pinturas a exemplo das produzidas pelo holandês Hieronymus Bosch. era a morte decorrente de diferentes situações, como doenças, guerras, falta de alimentos, entre outras. Para a significação dessas circunstâncias, os discursos dominantes de agentes da igreja sustentaram uma percepção moral: “os pecados”5 Não entrando aqui no mérito do que se dizia ser o pecado, já que é significado a partir de diferentes contextos histórico-sociais. explicavam estas situações, ao mesmo tempo que elas eram um prenúncio da manifestação do Anticristo e do fim do mundo.
Tais enunciados, em suas diferentes formas, contribuíram na construção de comportamentos, tendo como reflexo um certo “horizonte de expectativas”,6 Como conceitua o historiador dos conceitos Reinhart Koselleck. isto é a limitação do futuro e de possíveis construções a partir da ideia de que o fim estava chegando e que o presente era o tempo de expiação de “pecados”, suscitando, assim, ações que foram definidas como verdades em busca desse fim, a exemplo da simonia, da caça às bruxas e suplício como domesticação exemplar.
Poderíamos nos arriscar, pela perspectiva trazida, em dizer a respeito de certas continuidades nas articulações de uma percepção atual sobre momentos como a que vivemos, quando ouvimos certos enunciados no âmbito eclesiástico, reverberados em diferentes plataformas que geram sentimentos de pertencimentos, como “a culpa pela pandemia do coronavírus é a blasfêmia contra Jesus nos desfiles de carnaval do Rio de Janeiro e São Paulo”.
Os efeitos da percepção apenas pela moralidade podem ser parecidos com a situação do passado exemplificado: fechamento do horizonte de expectativas, busca por culpados e novos salvadores, a não inclusão de ideias diferentes, o reforço de antigas moralidades e a domesticação dos corpos, sob a tutela eclesiástica. Apesar de contextos e relações sociais diferentes, o motor estratégico deste discurso “clerificado” parece ser o mesmo ao não possibilitar diálogos com outros campos que não estão sob seu domínio institucional.
Mas não se envereda aqui a visão de que a história está fadada a repetir, e que não haja espaços para diferentes mobilizações que contrastem com tais efeitos. Esta é uma possível leitura de percepções como a que brevemente foram referidas, a partir de orientações e opções como a que se propôs Foucault e outros pensadores. As práticas humanas são alvos de diferentes olhares, fazendo com que no caso das ciências humanas também não haja um campo homogêneo, apesar, ainda, da existência de grandes paradigmas teóricos.
-
Replicando as palavras de um dos fundadores de um movimento historiográfico importante do século XX a Escola dos Annales, e que foram acrescentando-se a categoria “espaço” posteriormente por historiadores que se enveredaram pelo campo da geohistória e história ambiental.
-
Com os seus diferentes arranjos políticos e doutrinários.
-
Como propôs Foucault - e que nisso pensei em trazer – ao dizer que não precisamos necessariamente construir uma narrativa que compare situações do passado e do presente, mas criar uma que busque investigar continuidades e objetivos táticos com suas diferentes estratégias e dispositivos.
-
Como as xilogravuras chamadas de danças macabras, e pinturas a exemplo das produzidas pelo holandês Hieronymus Bosch.
-
Não entrando aqui no mérito do que se dizia ser o pecado, já que é significado a partir de diferentes contextos histórico-sociais.
-
Como conceitua o historiador dos conceitos Reinhart Koselleck.